UnB Cerrado leva ciência até a Chapada dos Veadeiros para colaborar com o desenvolvimento e preservação da região
A 230 km de Brasília e a salvo do fim do mundo, Alto
Paraíso é tranquila no meio da semana. Menos numa casinha azul
construída num terreno com pouco mais de 400 m2. É a sede
provisória da UnB Cerrado, nome abreviado do Centro de Estudos do
Cerrado da Chapada dos Veadeiros. Num canto, Adriele da Silva, de 15
anos, desenha com duas amigas uma planta baixa com a proposta de jardim e
horta para o local. Na cena se concretiza um projeto que, nas palavras
do idealizador Dáda, é a tradução do sonho que Darcy Ribeiro tinha de
uma universidade voltada para as pessoas.
Dáda é Eduardo Estellita, paranaense que se mudou para
Alto Paraíso em 1980, quando era “um jovem que queria mudar o mundo”. Em
2006, vereador pelo Partido Verde, ele apresentou na 2a
Conferência Nacional do Meio Ambiente a proposta do que se tornaria o
Centro. Em seguida buscou o apoio do senador e colega de sigla Fernando
Gabeira, que pediu a Dáda apenas que encontrasse uma universidade para
participar da empreitada.
É aí que entra Nina Laranjeira, professora de Ciências
Naturais da Faculdade de Planaltina (FUP). Ela ouviu a ideia de Dáda num
evento sobre a bacia do Alto Tocantins, em 2007. Geóloga de formação,
ela está ligada à educação ambiental desde o ínicio dos 90 e aceitou o
desafio. Hoje, Nina coordena os cerca de 20 professores que desenvolvem
trabalhos, programas e pesquisas na UnB Cerrado.
“O que nós queremos aqui é compartilhar conhecimentos e
trocar saberes”, afirma a professora. A equipe tem profissionais de
áreas da Saúde, Biologia, Química, Artes, Turismo, Educação e
Veterinária. O único pré-requisito necessário para quem quer entrar no
Centro é ter interesse em investir seus conhecimentos na região.
As atividades desenvolvidas estão divididas em dois
grandes grupos: o da biodiversidade-ambiente e o sociocultural. Além dos
professores do Distrito Federal, cerca de 40 alunos de graduação vão
até a Chapada a cada 15 dias. A maior parte do trabalho, no entanto, é
feita por tutores e estagiários da própria cidade.
“Assim acontece um processo de formação em rede. Ao mesmo
tempo em que essas pessoas nos auxiliam, aprendem a se organizar e
planejar”, explica a professora Nina. A busca pela ajuda dentro da
própria comunidade não para por aí. No regimento do Centro, existe
espaço para a entrada de colaboradores, ou seja, alto-paraisenses que
proponham a criação de projetos e participem ativamente dos trabalhos.
O principal foco da UnB Cerrado é auxiliar o
desenvolvimento sustentável de toda a Chapada dos Veadeiros, além de
resgatar e registrar a história e a cultura da região. Nina acha que
para chegar a esse ponto ainda é preciso conhecer melhor a comunidade.
“Nós temos que descobrir os potenciais deles e eles têm que descobrir o
que querem da UnB.”
Cidade Fraternidade
Uma das iniciativas da UnB Cerrado no ano passado foi a
criação de Cursos de Formações de Jovem: 80 alunos do ensino médio e
fundamental receberam bolsas de iniciação científica e extensão júnior
para fazerem aulas de Comunicação e Mídia, Reparo e Manutenção de
Eletrônicos e Agroecologia.
Em 2012 o trabalho será diferente. Em vez de aulas com
tutores e professores, os alunos, bolsistas e voluntários participarão
de oficinas e projetos para melhorar a qualidade de vida na área em que
moram.
É o que já ocorre na Cidade Fraternidade, a 37 km de Alto
Paraíso, 12 deles em estrada terra. A Cidade é um vilarejo fundado em
1963. Ali, funciona uma escola financiada pela Organização Social
Cristã-Espírita André Luiz, onde ocorrem as atividades do Centro.
Em 2003, as terras ao redor da Cidade foram invadidas pelo
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – logo em seguida, o Incra
assentou 120 famílias no local. São os filhos desses agricultores que
frequentam a escola e fizeram o curso da UnB Cerrado no ano passado.
Agora, de volta aos encontros com Nina, eles discutem como fazer uma
caracterização ambiental da área e um levantamento sobre a produção
agrícola das famílias.
“A maioria dessas famílias veio de áreas urbanas, eles não
tinham ligação com o campo. O curso os sensibiliza, revaloriza a
relação deles com a terra”, afirma a professora. Na Cidade Fraternidade,
há uma horta onde os estudantes plantaram girassóis, feijão preto,
melancia, amendoin, couve, tomate-cereja, rabanete, mucuma…
Marcelo Correa da Silva, 16 anos e um pouco tímido, aponta
cada uma das espécies sem titubear. “O curso ajuda a entender melhor
aquilo que é a nossa realidade”, diz. Na terra do pai, ele diz que
começou a reflorestar a área em volta de uma mina de água que não era
perene, ou seja, secava. Espera conseguir mantê-la jorrando por um
período maior a cada ano.
Já Dhyonnes Nascimento, 16, e Mateus Rissiê, 18, aplicaram
os conhecimentos que aprenderam de forma diferente. Eles se juntaram
para fazer no lote de Mateus uma agrofloresta. “É uma junção de árvores
frutíferas, leguminosas e hortaliças que se mantém sozinha, não precisa
de muito manejo”, explica o mais velho.
Noabio Moura, 21, por sua vez, concluiu o curso de reparo
de eletroeletrônicos. O rapaz mora no Moinho, povoado a 12 km de terra
de Alto Paraíso. Ano passado, ia até a cidade para as aulas. Agora, vai
acompanhar a turma de meninos mais novos do Moinho em projetos para
revitalizar o povoado.
Foi na sua casa que a professora Lívia Pena, também da
FUP, deixou uma quantidade de mudas suficiente para lotar a carroceria
do 4×4 que serve como transporte do Centro. Lívia é responsável pela
parte de segurança alimentar e acompanhou a reunião que o tutor Sat Nam
fez com jovens do Moinho para discutir onde plantar as mudas. O povoado
recebe muitos visitantes, e os garotos planejam um jardim na entrada da
área.
Sat também fez uma proposta: se os jovens plantassem
hortaliças suficientes para suprir todo o consumo do Festival
Internacional de Cultura Alternativa que acontecerá no Moinho no meio do
ano, ele se comprometia a comprar toda a produção. “O objetivo é
despertar neles o interesse pela terra”, afirma.
“Aqui tem cerca de 60 famílias. É um povoado mais antigo
que Alto Paraíso e as lendas contam que foi fundado por escravos
libertos”, conta. Outra preocupação do Centro de Estudos do Cerrado é
reconstruir a história local. “É preciso registrar como surgiram os
povoados, e também o conhecimento tradicional local”, afirma a
professora Lívia.
Com esse intuito, já foi organizada no Moinho uma Oficina
sobre Ervas Medicinais e uma Cartilha sobre Partos e Nascimentos
Naturais, ambas com os conhecimentos de Dona Flor, famosa parteira da
região. “Também organizamos uma cartilha sobre alimentação saudável e
nutrição, com a ajuda de quatro alunas extensionistas da FUP”, conta
Lívia.
Águas do Cerrado
A famosa e bela natureza da Chapada dos Veadeiros não
escapou dos esforços da UnB Cerrado. Um grupo de professores se dedica a
estudar três rios da região: o São Bartolomeu, o Tocantinzinho e o Rio
dos Couros. Valéria Belloto, professora do Instituto de Química e
vice-diretora do Centro, encabeça o grupo que se preocupa com a
qualidade química e microbiológica das águas.
É o projeto de extensão Guardiões das Águas. “No ano
passado, focamos o trabalho no São Bartolomeu. Ainda temos muita
dificuldade para chegar até os outros dois”, afirma Valéria. Ela conta
que a água do São Bartolomeu, que nasce dentro de Alto Paraíso e corre
pelos povoados do Moinho e do Sertão, é praticamente natural em relação
aos aspectos químicos, como acidez e salinidade.
A análise microbiológica, no entanto, ainda não pode ser
feita porque falta infraestrutura. “Os pontos de coleta são muito longe
entre si e para medir a quantidade de coliformes fecais, por exemplo, eu
só tenho 6 horas após a coleta.” A expectativa de Valéria é a
instalação de um laboratório de biologia no prédio da UnB Cerrado (veja
box), que permitirá fazer essas análises em Alto Paraíso.
“As bacias da Chapada são pouco conhecidas”, afirma
Valéria. Ao lado dela, outros professores da Biologia e da Química
estudam a fauna e flora das águas da região. Também há aqueles que se
concentram em observar o que acontece acima das árvores, como o
professor Roberto Cavalcanti. Recentemente indicado para a Secretaria de
Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, no ano
passado Cavalcanti levava estudantes da região para observar e
fotografar pássaros ao redor de Alto Paraíso.
A UnB Cerrado tem atividades desde 2009. Nesse primeiro
ano, Nina Laranjeira percorreu os 230 km que separam a capital do Brasil
da Chapada todos os finais de semana, com apenas três exceções. Agora, a
Faculdade de Planaltina vai lançar um edital para professor substituto e
ela poderá ficar direto na Chapada. “Temos muito trabalho a fazer por
aqui, isso é só o começo. Mas gosto de pensar naquele provérbio chinês:
‘para voar alto, é preciso ter raízes profundas’.”
Fonte: João Paulo Vicente Repórter · Revista darcy (Revista de jornalismo científico e cultural da universidade de brasília)
Fonte: João Paulo Vicente Repórter · Revista darcy (Revista de jornalismo científico e cultural da universidade de brasília)
Nenhum comentário:
Postar um comentário